amo relacionamentos saudáveis
A jarra continuou intacta no mesmo lugar.
Era até engraçado – ela não era conhecida por ter esse tipo de cuidado, e claramente não havia tido em nenhuma outra área da casa. A mensagem era gritante, cáustica, quase audível na voz debochada que usava durante as brigas: cada caco partido nesse chão está aí porque eu o quis. Ela não deixou pontas soltas!
Você, claro, já o eterno portador da terrível notícia, não se deu ao trabalho de questionar nada. Entrou no quarto, pacientemente limpou cada canto, móvel e quina empoeirada e demolida; colocou tudo numa caixa de papelão (em que tinham vindo as xícaras do primeiro jogo de chá que ela havia quebrado, se você lembrava corretamente), lacrou-a com fita adesiva e deixou ao lado da lata de lixo do prédio.
Ainda com um gosto amargo na boca, meticulosamente cavucou por trás de tudo que poderia ser movido, encontrando cada mínima evidência do DNA estranho, entre cabelos, unhas, cílios, prendedores de cabelo, uma escova de dentes e camisinhas usadas, jogando-as em uma sacola de papel em que ela havia trazido pão para o café da manhã ainda ontem (já havia acabado; ela nunca trazia suficiente). Quando se deu por satisfeito, atirou o saco pela janela.
Depois, ainda mais cuidadosamente, abriu todos os armários, gavetas, porta-joias e potes, tirando de cada um todos os possíveis restos mortais que ela tivesse esquecido – que não eram muitos, somente os importantes (nenhuma ponta solta). Estes, você delicadamente guardou num baú que havia ganhado de presente da avó dela, ainda com o leve perfume de água de rosas que borrifara nele. Fechou-o com a chave (ainda bem que conseguiu lembrar onde estava), acendeu uma vela em cima e deixou-a queimar.
Por fim, com o que restava de suas energias, pegou o jarro (ainda ereto em cima da mesa de cabeceira com o mesmo desprezo azul) e nele guardou a chave extra (pelo menos isso ela havia tido a decência de deixar para trás). Entrou no carro segurando-o com mãos trêmulas, e dirigiu até o endereço que ela havia visitado um dia queixando-se de dor de dente. Parou na frente da casa, respirou fundo uma, duas, três vezes e atirou o jarro na porta.
Entrou no carro e rapidamente fez a curva para se esconder na esquina onde ainda poderia ver tudo. Dito e feito, alguns segundos depois ela abriu a porta da casa, com a camisola que você havia lhe presenteado de aniversário, gritando algo que você não conseguia ouvir para alguém que você não conseguia ver. Olhou os cacos azuis e se ajoelhou frente a eles, procurando até finalmente encontrar a chave. Com uma gargalhada, segurou-a em frente ao peito e voltou a entrar.
Seu coração, rugindo em seu peito, não poderia doer mais.
Ela aceitara o pedido de casamento.
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